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Vejo-o vigoroso, o seu olhar ainda tem a luz da mocidade, o timbre da sua voz é sonoro como nos tempos em que jurava paixões que cavavam sepulturas. Tudo me diz que v. ex.ª vive para si, para sua esposa, para sua filha, para as glorias do tempo e para uma velhice agradavel e tranquilla. Erra v. ex.ª o seu juizo. Tenho sido muito desgraçado, sou, e se'-lo-hei sempre. A minha expiação é a vida.
Vejo-o d'aqui a sorrir... Não se admire de me ver fallar assim. Lembra-se d'aquellas conversações tão intimas e tão sérias na rua de...? Lembra-se do terraço de Clarence-Hotel, em Malta, quando a lua silenciosa cobria o mar? Não se recorda das minhas idéas então e d'aquellas imaginações que eu denominava gloriosamente os meus systemas? Não se lembra que me chammava então philosopho loiro?
O amigo marchou mais tarde para Sabugal e eu para Cuba, e hoje está nos tribunais de Lisboa e eu no berço da monarquia. Agora vejo-o, literato conhecido e conceituado, a publicar os seus belos contos em um elefante volume Os meus amores. E belos na verdade, como todos dizem.
Vejo-o inclinado a imaginar que por um facto, que a sua pouco delicada indiscreção preparou, eu ficarei de hoje em deante á mercê da sua generosidade. Conhece-me muito pouco, sr. Henrique!
Vejo-o admirado, não sei se da minha affoitesa, se da responsabilidade que lhe pesa, sr. D. Bruno! Mas que houve em casa do Sarmento? perguntou alvoroçado o fidalgo. O que eu antes de hontem vi foi a face do ancião lavada de lagrimas. O que eu vi hontem á noite foi Duarte de Malafaya fitar os olhos nas creancinhas, e escondel-os para que o não vissem chorar.
Medroso, o coração tenta fugir, mas treme: O abysmo attrae o abysmo! E desvairadamente, Despenha-se no mar, como um barco sem leme, D'onda em onda, á mercê do vento e da corrente. Vejo-o ainda um momento a esconder-se na bruma, E sinto uma impressão d'angustia e de pesar, Seguindo anciosamente o seu rasto d'espuma Por suppor que partiu para não mais voltar!
Mas vejo-o tão abatido e melancholico, que receio muito pela sua existencia. Ai! Nossa Senhora permitta que te enganes.
Este principio soffri-lho, Para ver se se mudava; Antes mais se accrescentava: Eu amava-o como filho, E elle d'outr'arte me amava. Agora vejo-o no fim Por se me não declarar. E pois ja que a isso vim, A morte que o levar, Me leve tambem a mim. Porque ja que minha sorte Foi tão crua e desabrida, Que me não quer dar sahida; Sejamos juntos na morte, Pois o não somos na vida.
Vejo-o sempre, apaixonadamente, através de agradaveis recordações da minha mocidade. Não sei, não posso vel-o de outro modo. Dou-me, portanto, como suspeito. Mas creio que, para a apreciação de um escriptor ou de um artista, os criticos téem menos auctoridade do que o publico.
N'uma d'essas noites, eu sahia d'uma confeitaria do Rocio, de comprar trouxas d'ovos para levar á minha Adelia quando encontrei o dr. Margaride que me annunciou, depois do seu abraço paternal, que ia a S. Carlos vêr o Propheta. E você, vejo-o de casaca, naturalmente tambem vem... Fiquei varado.
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