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Na estação havia uma espessa agglomeração de gente, um borborinho estridulo, que me fez acreditar que todos os doentes que se sobrescriptavam para Cauterets iam de perfeita saude, a começar por mim... Os omnibus dos hoteis solicitavam-me, na razão de 2 francos e 50 centimos, por duas horas de caminho; os cocheiros das caléches disputavam-me a cabeça por dez francos.

Falava-me com a mesma graça amavel, sorria-me ainda com a mesma confiança que eu parecia haver-lhe inspirado antes. Se Rosine fosse portugueza, ter-se-ia ido queixar á mamã, que contaria tudo ao papá. Haveria em Cauterets um escandalo medonho, e eu teria de adoptar um de dois extremos violentos: fugir ou casar. Nada d'isto aconteceu.

A sua doença era o corollario da libertinagem: a cachexia. Os medicos francezes aconselharam-lhe as aguas mineraes de Cauterets nos Pyrineus. Mudou de rumo. Era-lhe grata a esperança de voltar á patria restabelecido e gordo para desmentir o legitimista. Bebeu as aguas sulphuricas de Cauterets, consummou o esphacelamento dos intestinos baixos, e morreu medicinalmente.

Arranjei, como o dr. Serrand pôde verificar por meio do laryngoscopo, uma congestão thermal da larynge, o que me fez convencer de que as aguas de Cauterets são excellentes, não tanto para dar saude, como para tiral-a.

Ao nascer do sol uma manhã deliciosa dos Pyrineus quando cheguei á porta do hotel, fiquei encantado de encontrar á janella, esperando por mim, para me verem partir, todos os meus namoros de Cauterets. Tinham madrugado sobreposse para me enviar, nas azas d'um sorriso, o seu adeus. Eu sentia-me feliz, ufano.

Se não fosse isso, como elles seriam felizes, especialmente... os ricos! elle, pois, tomava tudo aquillo a sério, falando-me da composição das aguas, das differentes sources de Cauterets, em que predominava o elemento alcalino.

Depois, vesti a minha casaca, puz a minha gravata branca, e fui pedil-a á mãe, que teria quarenta annos, e uma carnação sadia, que não conseguira perder, sem embargo de tomar as aguas de Cauterets todos os annos. Parece incrivel! O conde descruzou as pernas, accendeu de novo o charuto, e, batendo uma palmada com a mão esquerda sobre a perna, disse-me: Fui muito feliz aquelle anno em Cauterets.

Duas horas deliciosas! As francezas eram amigas de collegio: uma d'ellas, cunhada de mr. Bourgoin, um burguez rico, viajava para se divertir acompanhando a irmã casada; a outra viajava, tambem para se divertir, acompanhando a sua amiga, cunhada... do cunhado. Apenas o burguez precisava das aguas de Cauterets por causa do rheumatismo, que é uma doença de todos os burguezes.

O Diario Illustrado, publicando o retrato e a biographia do sr. Osborne Sampaio, tece-lhe o seguinte elogio: «Conta-se que estando ha dois annos em Cauterets, chegou um dia, depois de jantar, a uma janella e lembrando-se do admiravel panorama que se desfructa da sua casa de Lisboa, uma das melhor situadas, exclamou: Quem me dera na minha casa do pateo do Pimenta

Perguntaram-me as duas amigas se eu me demoraria muito em Cauterets. Respondi que não havia nada tão incerto para um homem de boa saude como saber quando a sua doença o abandonaria. As duas francezas riram longo tempo, comprehendendo, com a sua fina intuição gauleza, que eu principiava a estar indeciso, no meu de alferes, entre uma e outra.

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