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Herculano trabalhava na mente o plano das suas lucubrações historicas, descia o futuro visconde d'Almeida Garrett do seu cubiculo de Ingouville, onde escrevera o Camões, e flanava distrahidamente pelas margens do Sena. Era isto Garrett, o flaneur; Herculano, o philosopho.

Por entre um ou outro coração sincero e bom, d'aquelles que frequentavam a sua casa, surgiram tambem muitas almas corrompidas e devassas. Entre estas, notára-se particularmente um flaneur de bom tom, a quem Arthur dedicára sempre, desde o principio, uma particular predilecção. Chamava-se elle Roberto Guimarães, se bem me recordo.

Mentalmente, com esforços de memoria dolorosos, desemburrando-se da bisonheria de seis annos de vida marital, tomava outra vez posse da cidade, buscando familiarisar-se no dedalo das ruas, achar no asphalto outra vez o seu rail de flaneur nocturno; e mulheres que surgiam de chapa nos reverberos das lojas pintadas de branco, olhando os homens de lado, como as gansas, tinham para elle o ar de apparições; nos americanos pareceu-lhe tudo duques e duquezas, um deslumbramento as lojas, os caixeiros uns personagens ideais; e a sua emoção subia n'um galopar de antigas reminiscencias, á mercê das surprezas esgarçadas por qualquer cousa, na volta de uma esquina, ante o estylo de um predio novo, um novo monumento emoção de provinciano fóra da moda, cego do gaz, picado de ciumes, desesperado de ninguem o conhecer, e que ao apear-se em Santa Clara, á porta do «nosso glorioso chefe» levava tres ridiculos de aldeia a chateal-o: a fadiga dos calos, o remorso do casamento, e pairando a tudo, um desejo frascario, exhaustinado, d'ir rebentar a noitada ao baile de mascaras do Trindade.

Garrett foi na litteratura, como na sociedade, o verdadeiro flaneur. Borboleteou de genero em genero, dramatisou, romanceou, poetou, folhetinisou n'uma palavra, mas folhetinisou soberba, esplendida, admiravelmente. Garrett era porém o folhetinista do livro; faltava em Portugal o folhetinista do periodico. O temperamento de Garrett vedava-lhe o acompanhar quasi diariamente as lucubrações jornalisticas. Gostava de folhetinisar no seu gabinete, entre flôres e crystaes. Estava-se pedindo um homem robusto, febril, enthusiasta, que escrevesse os seus folhetins sobre a banca d'um escriptorio, de moveis e ornatos, com infatigavel energia, em quanto esperava o prélo impaciente. Esse homem appareceu, foi Lopes de Mendonça. Durante muitos annos exerceu elle brilhantemente o folhetim, o folhetim que se compromette a apparecer todas as semanas, a fallar de tudo embora haja completa escacez de assumptos, a ser alegre, espirituoso e profundo, apesar de se dar ares de leviano. O incendio d'aquella poderosa imaginação crepitou, deslumbrou e finalmente extinguiu-se. Então appareceu em Lisboa um rapazinho da provincia, cheio de mocidade e esperança, que se estreou na litteratura offerecendo-se para traductor do Gymnasio. Os horisontes que elle sonhava eram lucidos como o céo da primavera. Em redor de Julio Cesar Machado tudo eram sombras, difficuldades, obstaculos. Mas elle era feliz porque sonhava com a esperança. Não basta ser feliz para o ser verdadeiramente.

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