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O Gonçallinho Jervis, felizmente para elle, amava tanto os rouxinoes como poeta que era, que até sabia a lenda mythologica d'aquella princeza que por suas desventuras fôra convertida em philomela, nome que os antigos deram ao rouxinol. Eu tinha uma vaga ideia d'essa lenda pagã por a haver lido na Arte da caça da altenaria, composta por Diogo Fernandes Ferreira.

Na idade do Gonçallinho Jervis, toda a alma é pouco mais ou menos como o rouxinol da novella: esgota-se cantando. Eu não sei se seriam rouxinoes as aves que na cêrca do convento de Bemfica provocaram a desafio os homens, chegando uma d'ellas a morrer extenuada.

O Muxagata estava na feira e queria dinheiro como eu. Como nós todos! gritaram uns poucos. A burro e ao jantar! commandou o Vasconcellos. Ó filho! pelo amor de Deus! deixa os rouxinoes para ámanhã, dizia o Vasconcellos, depois de jantar, ao Gonçallinho Jervis. Aqui da janella não se ouve nenhum! estive á escuta. Pudera!

Mas, uma vez postos a caminho, a doce liberdade, que principiamos a saborear, bem depressa nos fez esquecer dos rouxinoes, que não pensamos mais em ouvir. o Gonçallinho Jervis não podia tão facilmente esquecel-os como nós outros. A idade desculpava-o.

O Gonçallinho Jervis estava visivelmente entregue a dois pensamentos: um, que dissimulava; outro, que manifestava com vehemencia. O primeiro adivinhava-lh'o eu: era um intimo desgosto de não ter sido elle que surprehendesse o romance. O segundo inspirava-lhe indignadas apostrophes contra a mãe descaroavel que abandonára a sua propria filha á miseria, talvez á deshonra. Ah!

Esta fabula, copiada dos poetas pagãos, fazia trasbordar de poesia a alma do Gonçallinho Jervis, que julgava ouvir na voz do rouxinol toda a colera tragica da princeza Filomena, a qual princeza, convertida em ave canora, parecia vingar-se eternamente da falta que no seu tempo lhe fizera a lingua, cortada pelo cunhado.

Era ella, a mesma Christina da rua das Fontainhas, a bella lamecense raptada pelo Muxagata, com os dedos cheios de anneis e as mãos dealbadas de de arroz. O Gonçallinho Jervis estava tão encantado com esta surpresa, que me parecia ter ciumes de que fosse eu e não elle que, por um acaso notavel, encontrasse um verdadeiro assumpto de romance. Ah! ingenuo Gonçallinho!

Mas era certo tambem que nenhum de nós, com excepção do Gonçallinho Jervis, estava n'esse periodo agudo de romanticismo, que exalta allucinadamente a imaginação. Parariamos de boa vontade para ouvir um rouxinol, que nos houvesse surprehendido no caminho. Mas ser-nos-ia pesado qualquer incommodo que, a não ser por surpresa, isso nos pudesse custar.

Mas, lembrou o Gonçallinho, ella ouviu dizer o teu appellido sem dar o menor indicio de conhecer-te. Ora! isso é da tabella, tolinho! Então ella havia de mostrar ao brazileiro que conhecia alguem n'este mundo além do seu querido Araujo? Que tinha isso? insistiu o Jervis. Pois as mulheres, por mais honestas que sejam, estão inhibidas de reconhecer um homem que era das relações da sua familia?

Pois que o Gonçallinho Jervis havia escripto o seu segundo conto, como de manhã confessára, foi-lhe concedida a palavra, e, em verdade, outra coisa não desejava elle. Ouvimos pois, no meio do silencio regulamentar, que o Vasconcellos não deixava interromper, a narrativa que o nosso bom Gonçallinho planeara na almofada do char-á-bancs ao lado do cocheiro. O que é o poder da imaginação juvenil!

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