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Atualizado: 30 de junho de 2025
Mas quem disse a Christovão Tavares que o seu correligionario consumia em golodices francezas, no famigerado hotel, as inscripçoens da condessa de Baldaque? Não foi ella. Acontecera, como era natural, contar a luveira ao conde o destino que dera aos seus apoucados haveres.
Nas suas praticas com a luveira da Rua Nova da Palma mediavam intercadencias de silencio que tanto podia significar amor que absorve a palavra na contemplação, como cansaço de duas almas em spasmos de tedio reciproco. Raul, porém, amava n'aquelle extremo em que a mulher impõe respeitosa adoração, independente do prestigio do nascimento.
Victor Hugo, que tinha roubado grande chelpa á tal luveira. Sempre ha cada malandro! O senhor conhece-o? Quanto déste pela parelha? perguntou Victor, como se a pergunta fosse feita a um pavão, que berrava no arvorêdo dos Palhas. Cincoenta libras respondeu o mulato, muito mais delicado que o seu interlocutor. Não foi cara. Todo o trem do conde se vendeu ao desbarato.
E ainda outra consolação mais me lisongeava: era ver que V. Ex.ª, se me desprezava, ou me não via, não prestava maior attenção ás pessoas que a cortejavam, sabendo eu que o proposito de algumas era tão honesto quanto eu quizera que minhas irmans, se as eu tivesse, o merecessem. Eu nunca dei occasião a que me fizessem propostas de natureza nenhuma interrompeu a luveira. Digo-lhe isto, snr.
Uns diziam que Victor havia sido amante da luveira casada agora com o conde, e lhe gatunára a herança que ella tivera d'um agiota. Esta era a opinião dos sugeitos contusos por Damião Ravasco.
Póde ser que elle, desconhecendo a origem real da luveira, se houvesse em presença d'ella com menos resguardos, sem todavia lhe querer menos; mas, em leal verdade, o dizer-se que a gentil menina era filha de um rei, e o porte soberano com que ella, sem arte e genialmente, justificava sua fidalga condição, eram realços á já de si peregrina belleza, os quaes, a meu vêr, insinuaram ao animo enthusiasta do môço brazileiro a idolatria genuflexa que se confunde com a superstição.
Das duas uma, como dizia o meu mestre de logica: se ella o ama, case com ella; se o não ama, de que lhe serve padecer? Eu cá não queria mulher que me quizesse por compaixão. N'esse mesmo dia, Damião Ravasco foi á loja da luveira, com o disfarce de quem passava, e perguntou a D. Maria José se queria alguma cousa para o snr. conde. Elle está bom? perguntou ella. Não, minha senhora.
A mulher ha de ser sua tanto me importa a mim que seja filha do rei como do diabo! Luveira é ella, isso vou eu jural-o, porque ainda hontem lhe comprei umas luvas de camurça. Mas, se fosse filha de rei e morasse no palacio real, antes de V. Ex.ª morrer ou endoudecer, havia eu de fazer mais restolho que dez milhoens de diabos para que ella fosse sua.
N'este lance, entrava uma criadinha com duas latas, de feição de marmitas, nas quaes ia o jantar da luveira, comprado em uma taverna das portas de Santo Antão. Raul, com olhos turvos e voz tremente, apertou a mão de D. Maria José de Portugal, murmurando estas palavras de modo que a criada as não ouvisse: Eu não a mereço... mas hei de amal-a como um escravo, que eu tive, me quer e ama ainda hoje.
Antes de volvidas tres semanas, a commissão de soccorros enviava, por via do ex-brigadeiro, á luveira da Rua Nova da Palma, uma carta do principe proscripto ao vice-rei, perguntando-lhe se a senhora que tão generosa o visitava no seu desterro era filha de Marianna Franchiosi Rolim de Portugal.
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