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ALCIDO. Como cantarei eu novas cantigas Em terra tão esteril, cheia d'ira, Que nega flores, e que nega espigas? A Amarilia pintei, pintada trago-a Aqui neste meu seio, e tambem chora: Seus olhos me dão fogo, os meus dão-lhe ágoa. Mas vejo vir Galasio. DELIO. Venha embora. Galasio, queres tu cantar comigo? GALASIO. Eu nunca me roguei: menos agora.
GALASIO. Eu sempre chóro, e tanto ja chorei, Vencido da grã dor que n'alma tinha, Que mil vezes de lagrimas fartei Meu gado, quando a fonte a buscar vinha. DELIO. Quando vires, Learda, o nosso Lima, Que lá vai de meu chôro acompanhado, Tornar com suas ágoas para cima, De seu curso esquecido, costumado; Então embora julga, então estima Que tenho n'outra parte o meu cuidado.
GALASIO. Isso não: has d'ouvir para julgar Qual de nós melhor canta e melhor sente. DELIO. Eu ja não cantarei, sem apostar. Aposto o meu rafeiro, que Valente Se chama, e com razão; que o lobo affasta, Se não cantar mais branda e docemente. GALASIO. Hum cervo manso aposto. DELIO. Isso não basta: Põe mais hum par da cabras. GALASIO. Deos me guarde; Porque, Delio, este gado he da madrasta.
Mas deixarão os rios de correr, Primeiro que deixe eu de te querer. GALASIO. Estas serras, Marfida, por certeza De minha firme fé só quero dar-te: Quando com espantosa ligeireza Daqui correr as vires a outra parte, Então cuida que falta em mi firmeza, Qu'então deixarei eu, meu bem, de amar-te. Mas mudar-se daqui bem podem ellas, E eu não mudar de mi graças tão bellas.
GALASIO. A triste Progne ja despareceo; A toda flor o frio foi imigo; A doce Philomela emmudeceo, Rouca de lamentar seu mal antigo. Mas venha por aqui quem me venceo Com hum só volver d'olhos; qu'eu m'obrigo, Que as aves tornem logo a seus amores, E os campos se matizem de mil flores.
Delio neste lugar doce cantou Com Galasio, que doce respondia: Hum Learda, Marfida outro louvou, Com inveja de qual melhor diria. Alcido, que o seu canto bem notou Por ver quem a victoria levaria, Como livre juiz, deo por sentença, Que não havia entr'elles differença. Phyllis. Pascei, minhas ovelhas: eu, em quanto Aquelle passarinho canta ou chora, Chamarei Corydon com triste pranto.
Ai triste! que me vem valles e montes, Regados de meus olhos feitos fontes. GALASIO. Marfida, branca mais que o branco leite; Vermelha muito mais que a rosa pura; Assi descuido em ti nunca suspeite, Assi me trates inda com brandura; Que a cabana, que a vida e a alma engeite Por ti, quando tu mais que marmor dura. Testimunhas serão montes e valles, A quem dou larga conta de meus males.
GALASIO. Os tristes corações se tornão ledos, Ouvindo de Marfida o doce canto; Os furiosos ventos estão quedos; Não guia o claro sol seu carro em tanto. Converte-se a dureza dos penedos Em brando amor: Amor desfaz-se em pranto, Vencido dessa voz, doce Marfida; Mas tu nunca d'Amor foste vencida.
DELIO. Cantaremos d'Amor cruel imigo, Ou brando e amoroso, em razão pôsto, Tyranno e cego, e cego até comsigo? GALASIO. Cada qual cante do que for seu gôsto; Quer mimos, quer rigores d'Amor fero; Ou d'olhos verdes cante, ou d'alvo rosto. ALCIDO. Em quanto vós cantais, recolher quero O gado; que são horas de ordenhar: Á noite na malhada vos espero.
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