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E toda a dulcissima e piedosa lenda evangelica lhe fôra contada baixinho, pela voz queixosa e cantante do misero escravo negro, quando Thaïs, maltratada pelos paes, sem tecto carinhoso que lhe abrigasse o corpinho infantil, torturado de açoites, ia deitar-se á noite a um canto do estabulo, entre animaes domesticos, com Ahmés perto d'ella sentado sobre os calcanhares, as pernas dobradas, o busto direito na altitude hereditaria da sua raça, e o rosto negro banhado n'aquella divina luz de esperança e de misericordia com que a estrella de Bethlem tem, durante dezenove seculos, inundado, casta e divina, os desherdados de todo o bem terrestre.

E Thaïs, indifferente a todos e com todos brincando cruelmente, conservava no fundo da sua alma a recordação indistincta e vaga d'esse mundo mysterioso de que lhe tinham revelado o encanto. Supersticiosa e cheia de ancia indefinida, tinha a sêde atormentadora do desconhecido, a que faz as santas, as arrependidas sublimes, e as loucas...

Thaïs fôra iniciada em pequenina por um escravo negro da Nubia, chamado Ahmés, n'essa religião que reveste de tão voluptuosas delicias o sacrificio e a dôr. Tinha-a mesmo baptisado, em uma época de perseguições e de angustias, o bispo proscripto de Cyreno, que pela Egreja soffrêra os mais horrendos martyrios.

Thaïs, não; essa arrependida e submissa é em Christo que pensa e a sua alma anceia por desprender-se do impuro corpo, para subir, lavada em lagrimas, ao seio eternamente misericordioso do Homem Divino que perdoou á Magdalena, e que não consentiu que fosse lapidada a mulher adultera pelos que não tinham direito de a julgar.

Tem o livro como personagens principaes Paphnucio, um anachoreta da Thebaida, de carne mortificada pelos longos jejuns, flagellada pelos duros cilicios, curtida pelos sóes causticantes do deserto, amachucada nas caminhadas extenuantes por sobre as penhas bravas e os quentes areaes e Thaïs, uma gloriosa e applaudida actriz de Alexandria, bella como Venus, e intelligente como Aspasia, e prodiga de affagos como as duas, em que esplendidamente se encarnára para enlouquecer e perder os homens.

Um dia, porém, lembrou-se por sua desgraça espiritual, ou por seu aperfeiçoamento superior, que tinha conhecido em Alexandria uma formosa actriz chamada Thaïs. Tão bella como a mais bella das suas visões esplendidas do Paraizo e condemnada á eternidade das penas, á perdição infernal, á ignorancia absoluta do bem!...

Thaïs altiva e doce appareceu ao austero monge dando-lhe, como dava a todos que a contemplavam «o tragico estremecimento da sua fatal bellezaSegue-se então a lucta travada entre o asceta e todas as seducções pagãs que circumdavam a cortezã esplendida, para converter esta á religião dos pobres, dos miseraveis e dos simples.

E emquanto elle a apostrophava com a eloquencia do mais impetuoso e ardente horror, relembrando-lhe uma por uma, com minuciosidades de confessor, as ignominias em que se perdera o seu corpo, que Deus fizera tão bello, Thaïs seguia-o docilmente sob o sol abrazador, e por cima dos penhascosos caminhos, onde os seus pés nús, tão lindos, tantas vezes cobertos de beijos, se desfaziam em sangue.

Era justamente esse lance da epopéa homerica que Thaïs traduzia pela mimica expressiva e perfeita, a qual, na decadencia da Arte antiga, suppria agora na scena, viuva dos seus grandes mestres de outr'ora, a alada, a divina poesia de Euripedes e de Menandro.

E a menos valiosa d'estas qualidades bastaria, nas salas, a sobrepujal-o ao seu amigo Venceslau, o misantropo, que entre as Thais e as Dydimas de Lisboa era importuno decerto com as suas, ainda bem que silenciosas, austeridades de Timão atheniense. Que o chefe do commissariado andasse galanteando as damas dos bailes de D. Julia é menos verdadeiro.