United States or Chad ? Vote for the TOP Country of the Week !


Os moradores de Tavilla, e assi os Mouros das outras Villas seus comarcãos, vendo-se perseguidos, e mal tratados do Mestre, por seus meos que antre si tiveram concordaram, que por quanto a este tempo estavam cerca do mez de Junho em que haviam de recolher seus pães, e dahi a pouco se achegava o outro de seu alacil para secarem e aproveitarem suas passas, e fruitas, era bem de procurarem poer com o Mestre tregoas até o São Miguel de Setembro, que vinha, no qual tempo acabariam inteiramente de recolher suas novidades, e dahi por diante teriam milhor disposição para lhe fazer a guerra, e o lançar fóra da terra.

Os Mouros de toda a terra, por este destroço, e desbarato, que houveram mostraram muito nojo, e grande tristeza, em especial os de Tavilla, porque tinham imigos tão fortes junto comsigo, os quaes naquella ora juntos em seu concelho diceram: «Estes christãos não temem, antes nos menos prezam, e não é sem rezão, porque ou por nossa muita fraqueza, ou por nossa grande dezaventura sempre somos delles vencidos, mas agora porque elles eram seguros, e despercebidos pela victoria, que hontem de nós houveram, cuidam que não ha em nós esforço, nem acordo para nossa vingança, ajuntemo-nos outra vez, e sem medo os vamos commetter e sem duvida nós os desbarataremos, e com sua perda os lançaremos da terra, que é nossa».

Com esta confiança o Commendador, e cinco outros Cavalleiros com elle a cavallo se partiram de Cacella, e trazendo o caminho direito de Tavilla, passaram pela ponte, e entraram, e seguiram pelo meio da praça da Villa, e chegaram ás Antas, lugar da caça, que é uma legoa da Villa a cerca da ribeira, onde começaram de caçar, e haver prazer sem alguma maginação nem sospeita da morte, que se lhes aparelhava, porque os Mouros de Tavilla quando daquella maneira viram passar os Christãos, havendo que era em seu manifesto desprezo, receberam por esso grande dor, porque sua vista lhes fizera viva lembrança das mortes, e males, que delles muitas vezes tinham recebidos, e diceram antre si: «Certamente os homens, que somos, que sofrem tanta mingua, e tanto desprezo quanto estes Christãos com soberba nos fazem são mais que mortos, e não tem siso, vergonha nem coração, assi passam por aqui os Christãos nossos imigos tão seguros como se fossemos bestas, e elles senhores da nossa Villa».

E como quer que até li os Mouros eram antre si em grandes desconcertos, como atraz se disse, porém á necessidade, e perigo em que a ida do Mestre os poz, os fez logo amigos, e concordes para com iguaes corações defenderem suas pessoas e terras, pelo qual sabendo os Mouros de Farão e Tavilla, e assi os dos outros Lugares de redor, como o Mestre era fóra de Cacella, para correr, e guerrear sua terra, avisaram tambem os de Loulé para que todos no dia seguinte tivessem ao Mestre o passo, e pelejassem com elle, os quaes ao outro dia sobre este acordo se ajuntaram, e partindo foram dormir contra a serra a um logar que dizem o desbarato, e deste ajuntamento, e acordo não sendo sabedor o Mestre passou de noite mui secretamente por Loulé sem ser sentido, seguindo seu caminho direito, que vem para Tavilla, porque as suas escutas que iam de diante sentiram os Mouros naquelle lugar onde jaziam, o Mestre não quiz mais abalar, e ali de noite se deteve, e ao outro dia, como foi manhã o Mestre com sua singular, e costumada destreza de guerra ordenou suas gentes em batalhas, e guiados de sua bandeira, que levavam tendida não andaram muitos passos que logo não houveram vista dos Mouros, que jaziam em um valle escuro, os quaes vendo a pouca gente dos Christãos em comparação da muita sua que tinham, foram mui alegres, ca tiveram grande esperança de haverem victoria.

Depois que o Mestre Dom Payo tomou estes logares da conquista de Portugal, até se ganhar o Algarve, passaram dous tempos em que reinaram dous reis de Castella, a saber o dito Rei D. Fernando, em cujo tempo o dito Mestre tomou primeiramente Tavilla, e Silves e alguns outros Lugares do Algarve, e apoz elle Reinou o sobredito Rei Dom Affonso seu filho, que reinando em Castella depois de fazer sua doação para sempre a El-Rei Dom Affonso Conde de Bolonha seu genro, e a Dom Diniz, seu filho se ganharam todolos outros Lugares do Algarve, em que tambem foi o dito Mestre como Vassallo, e Compadre, que era do dito Rei Dom Affonso Conde de Bolonha, e foi por esta maneira.

E em se estas cousas aparelhando, estavam sobre o mar para isso postas atalaias, que n'elle descobriram uma gallé e uma caravela ambas juntas, e a galé era de um Peroso, cosairo italiano, que n'aquelle estreito andava d'armada, e na caravella vinha o Infante após quem o cosairo vinha, avisado de quem era, e para o deter e não o leixar passar, se por ventura desviara a prôa de Ceuta, e o conde como houve conhecimento que alli vinha o Infante o foi em uma galeota logo receber ao mar, e com elle se veio ao porto onde com João de Sousa sómente entrou na caravella e lhe beijou as mãos, e o Infante sahiu, e foi logo a Santa Maria d'Africa, e tornou-se a apousentar, e o conde fez quanto pôde pelo agasalhar e servir em todo cumprimento e perfeição, e lhe entregou a vara da governança e capitania da cidade; mas o Infante havendo-a em sua mão e esforço por bem empregada, não lh'a tomou, e o conde como era de muitos annos e siso, depois de praticarem sobre sua partida, moveu o Infante ao que quiz, que foi conforma-lo com a vontade d'El-rei, para o qual o conde depois de concertar o assessego do Infante na gallé do cosairo, avisado bem de tudo logo partiu e o achou em Tavilla, com que El-Rei e o Infante D. Anrique e toda sua côrte crendo que vinha alli o Infante, foram postos em grande alvoroço, e os vieram receber á ribeira, e depois de o conde lhe dizer o fundamento do Infante, El-Rei com causas e razões evidentes, e que muito faziam ao resguardo de sua honra e estado, houve por escusado satisfazer á tenção do Infante, que era estar como fronteiro em Ceuta, a quem tambem logo mandou o conde d'Arrayollos com quem foram seus filhos, e o conde d'Atouguia, e o marechal, e após elles outros muitos fidalgos e pessoas principaes de todo o reino, para o Infante lhe dar , e o moverem logo para sua tornada.

E era neste tempo senhor de Tavilla Abenfalula, Mouro que não se sabe se morreo nestas pelejas, se ficou no lugar, como outros alguns ficaram.

Como houve treguas antre os Christãos, e Mouros, e com que fundamento cada uns o outrogaram, e como foi a morte dos sete Cavalleiros Martyres, e o Mestre tomou Tavilla

E sendo por bem desta tregua os Christãos, e os Mouros de uma parte, e da outra seguros, D. Pedro Rodrigues, Commendador mór de San-Tiago, que era na companhia do Mestre dice aos outros Cavalleiros, que por seu desenfadamento, pois estavam em tregoa fossem com suas aves á caça ao lugar das Antas, que era terreno de Tavilla, e está dahi tres legoas.

Não foi El-Rei de sua partida sabedor salvo no outro dia, com que foi muito anojado, e mandou logo muitos fidalgos por todalas partes, avisados que por qualquer caminho que levasse o seguissem; e porque o Infante ao partir d'Evora por enlear os que o seguissem, pôs o rostro em Moura com mostrança d'entrar em Castella, El-Rei que d'isso foi avisado, partiu logo para Mourão e d'hi porque não achou certo recado, partio pelo rio d'Odiana abaixo sem algum repouso até que chegou a Crasto Marim onde soube que o Infante embarcara, e d'hi apressado se foi a Tavilla.