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Algumas, de viverem d'um passado de fogo, parecem mirradas, outras procuram mingoar, extinguir-se, não occupar logar na terra. E entretanto as mulheres vão cantando na mesma toada de catastrophe, que a noite traga, como farrapos de sonho espesinhado... Todas as noites o Gabiru vae sentar-se a um canto a scismar. Olha a Mouca sem palavra e sonha.

O seu livro é a historia patetica d'uma alma. Qual? A do Gebo, a de Luiza, a de Sophia, a da Mouca, a dos Pobres emfim? Não. A sua. Historias diversas, que se resumem n'uma historia unica: a da sua alma, transitando almas, a da sua vida, percorrendo vidas. Autobiografia espiritual, dilacerada e furiosa, demoniaca e santa, blasfemadora e divina.

Ia crear! ia crear!... Aquelle chão que o arado do sonho lavrára, eil-o atravessado por este veio turvo, que tudo remexe e transforma a Vida. Consumira-o o sonho, tornando-o cambado e gasto, esguio e d'olhos perdidos de scisma... Acordára emfim para a realidade e elle, que tinha passado a vida a revolver um brazido d'idéas, longe da terra e do seu lodo, amou a Mouca, raza como o chão.

A gente tem de morrer, não é? Então quanto mais depressa melhor... Uma noite que os ladrões espancaram Sofia, a Mouca poz-se a olhal-a como um cão ao dono. Por fim disse-lhe: Vamos ambas ao rio quer? Eu não me importo de morrer. Mais vale acabar. E a menina? Que ando eu a fazer n'este mundo? Se a menina tem medo da agua, eu deito-me primeiro ao rio. Não, deixa! não te afflijas!... Eu, sim!

Todas temos de nos sujeitar e de soffrer. Eu sou a Mouca terminou ás risadas. Aquella porta aberta para a tragedia e para o escarneo fica em frente do Hospital. As mulheres dos ladrões e dos soldados moram ao da dor. As paredes são negras e humidas: mãos ao roçarem-nas deram-lhes afflicção, gritos abalaram-nas.

A gente não tem pae nem mãe, nem folego vivo. Se choro, os outros riem-se. Quem entra e sahe que se importa? E ninguem n'este mundo póde chorar sósinho... Eu diz a Mouca eu estou tão habituada a que me dêm dinheiro, que se o meu amigo fica commigo, escondo moedas no lençol... Quando acordo e as encontro, parece que me pagaram.

A realidade tambem não na entende: solitario e pencudo, da vida se fartou com soffreguidão d'esta fonte que trasborda o sonho. Tem o olhar extactico e, mettido na trapeira com ignobeis calhamaços, deixa correr as suas idéas á solta como os rios. Assim, metaphisico e pobre, de raras palavras, deitou-se a amar a Mouca, escarneo de soldados. Nasceu para sonhar.

Todos os dias o Gabiru vae sentar-se olhando a Mouca entre os ladrões e os soldados, que á noite surgem para se rirem das lagrimas e dos gritos. Entre a turba sinistra vem sempre o Velho, callado e feroz, que ri com uma bocca disforme, e o Morto, que fala com desprezo do soffrimento, das mulheres, da morte.

Ai, sim, querem uma casa... Eu lhes digo, não tem nada que saber; os meus amos vão por ahi sempre a direito, e adeante, chegando ao de uma oliveira, tomam á sua mão esquerda por um caminho estreito, que tem uma cancella no fim; depois, logo que virem uma nora, carregam á direita, seguem sempre ao lado de um muro branco, até chegarem á eira; ahi tomam por um outro atalho, que está ao lado e vão dar a um larguinho... Depois não tem que saber, deitam pela rua em frente e perguntando alli pela estalagem da Mouca, logo lhe dizem.

Mas de subito a Mouca clamou: Perdão! perdoe-me, menina! Eu era por inveja. Saiba: não a podia ver por inveja. Fui sempre assim. Não me fique com raiva. Eu dizia commigo: Então os outros tem mãe e eu nunca a tive? Os outros são infelizes um dia, mas eu fui infeliz desde que nasci. Sou filha da terra. Crearam me os ladrões, deve ter ouvido. Tenho sido muito p'ra a menina, peço-lhe que me perdoe. Era por inveja. Peço-lhe que se ria p'ra mim, para me mostrar que não está zangada commigo.

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