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Dois lampadarios de muitos lumes pendem dos artesões primorosamente lavrados, que, cruzando-se em angulos rectos, servem de moldura ao almofadado de azul e ouro, que reveste as paredes e o tecto. A agua de fonte perenne murmura cahindo n'um tanque de marmore construido no centro do aposento, e no topo da sala ergue-se o throno de Abdu-r-rahman, alcatifado dos mais ricos tapetes do paiz de Fars.
Duro é o teu coração, mais que o meu, se em breve as tuas palpebras e as tuas faces não estão semelhantes ás minhas." O sangue tingiu o rosto alvo e suavemente pallido de Abdu-r-rahman: os seus olhos serenos como o ceu, que imitavam na côr, tomaram a terrivel expressão que elle costumava dar-lhes no revolver dos combates, olhar esse que só por si fazia recuar os inimigos.
Tinham de feito passado onze annos desde os terriveis successos acontecidos naquella noite em que Al-muulin descobríra a conspiração que se urdia, e desde então nunca mais se víra Abdu-r-rahman sorrir. O sangue de tantos mussulmanos vertido pelo ferro do algoz, e sobretudo o sangue de seu proprio filho descêra como a maldicção do propheta sobre a cabeça do principe dos crentes.
Al-gafir retomava a sua habitual linguagem sempre ironica e insolente, e ao redor dos labios vagueava-lhe de novo o riso mal reprimido. A voz do fakih despertou Abdu-r-rahman das suas tenebrosas cogitações. Poz-se em pé. As lagrymas haviam corrido por aquellas faces, mas estavam enxutas.
Successor do propheta, iman da divina religião do Koran, escuta-me, porque é obrigação tua ouvir-me." O tom inspirado com que Al-muulin falava, a hora de alta noite, o negro mysterio que encerravam as palavras do fakih tinham subjugado a alma profundamente religiosa de Abdu-r-rahman.
Abdu-r-rahman não o interrompeu: o fakih proseguiu: "Amir-al-muminin, qual de teus dous filhos amas tu mais? Al-hakem, o successor do throno, o bom e generoso Al-hakem, ou Abdallah, o sabio e guerreiro Abdallah, o idolo do povo de Korthoba?" "Oh, replicou o kalifa sorrindo já sei o que me queres dizer.
Al-gafir, ou antes Umeyya, levantára gradualmente a voz, e estendia os punhos cerrados para Abdu-r-rahman, cravando nelle os olhos reluzentes e desvairados. O velho monarcha tinha os seus abertos, e parecia tambem olhar para elle, mas perfeitamente tranquillo. A quem houvesse presenciado aquella tremenda scena não seria facil dizer qual dos dous tinha mais horrendo gesto.
Al-muulin falára verdade: Abdu-r-rahman via despregar diante de si a longa teia da conspiração, escripta com letras de sangue pela mão de seu proprio filho. Durante algum tempo o kalifa conservou-se como a estatua da dôr na postura que tomára. O fakih olhava fito para elle com uma especie de cruel complacencia.
Abdu-r-rahman parecia inteiramente dominado pelo rude fakih, e, ao vê-lo, qualquer poderia ler no gesto do velho principe os sentimentos oppostos do terror e do affecto, como se metade da sua alma o arrastasse irresistivelmente para aquelle homem, e a outra metade o repellisse com repugnancia invencivel. O mysterio que havia entre ambos ninguem o podia entender.
Por ella se via que Abdallah contava não só com os recursos dos mussulmanos seus parciaes, mas tambem com importantes soccorros dos infiéis por intervenção de Umeyya. A revolução devia rebentar em Cordova pela morte de Al-hakem e pela deposição de Abdu-r-rahman. Uma parte da guarda do alcaçar de Azzahrat estava comprada.
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